domingo, 4 de outubro de 2009

Traição virtual cometida por cônjuge internauta dá causa à separação do casal





Marcelo Santoro Almeida*

Há muita discussão acerca da existência ou não de traição por meio da internet. A rede de computadores que veio para facilitar a vida das pessoas tem causado enormes preocupações em esposas e maridos de internautas. Isso porque, protegidos por uma "máscara" de segurança, ou seja, do anonimato, ficam até altas horas da madrugada, em chats (salas de bate-papo) e sites de relacionamento, conversando com estranhos.

Assim como em diversas situações sociais novas, essa também veio relacionar-se diretamente com as questões inerentes ao Direito de Família. Alguns especialistas alegam que tal fato poderia ser considerado como "traição"; outros profissionais já acreditam que seria uma evolução nas formas de relacionamentos, considerando que "umas horinhas" em um chat até alivie o estresse das relações conjugais.

Primeiramente, para entender da melhor maneira os fatos, cabe esclarecer quais são os deveres dos cônjuges no casamento, incluindo também os companheiros nas uniões estáveis: fidelidade recíproca, coabitação e sustento, mútua assistência e guarda e educação dos filhos em comum.

Quando uma pessoa entra em uma sala de bate-papo ou site de relacionamento, obviamente tem interesse em manter contato com outras pessoas, da mesma forma como se estivessem em uma festa ou em um local público, apenas com uma pequena diferença: o contato é virtual. Por meio de apelidos, criam um personagem próprio, um super-herói sem defeitos, o chamado príncipe encantado.

Na verdade, no ambiente virtual não estão lá o "Marcos" e a "Maria", mas um personagem por eles criado. E, após alguns minutos, alcançam determinada intimidade um com o outro que chegam até a praticar o "sexo virtual", se é que sexo pode ser realizado desta forma.

A grande dúvida nessa questão é: quando se pratica o "sexo virtual", está sendo praticado adultério? Essa é a pergunta que milhares de pessoas fazem no mundo.

O crime de adultério foi retirado do Código Penal pela 11.106, de 28 de março de 2005, mas antes disso já estava em desuso, seja pela evolução social, seja pela dificuldade de caracterização - há a necessidade de apanhar o "adúltero" na prática do ato sexual, uma situação quase impossível. Mesmo que ainda fosse comum a aplicação da pena e fosse fácil provar o crime, ainda assim, o internauta não o praticaria, visto que há necessidade de consumação do ato sexual propriamente dito, ou seja, do contato físico entre ambos.

Porém, algumas considerações merecem ser tecidas com relação à possibilidade de pretender a separação por culpa do "traidor internauta".

Geralmente, o internauta busca as salas de bate-papo ou sites de relacionamento de madrugada ou no período noturno, quando chega em casa logo após o trabalho. Nesses casos, a pessoa concede ao computador ou a alguém do "outro lado" mais atenção do que à família. Muitas vezes, deixa de praticar o sexo com o próprio cônjuge para praticá-lo virtualmente.

O conceito de mútua assistência como dever dos cônjuges no casamento é amplo, e não inclui somente a assistência material, mas também a moral e a psicológica, como apoio nos momentos difíceis, diálogo e tudo o mais que seja necessário ao sadio desenvolvimento do casal. Assim, ao varar as madrugadas grudado na tela do computador, o internauta deixa de prestar a assistência moral ao seu cônjuge, dando ensejo à propositura da separação por sua culpa.

O débito conjugal ou prática do ato sexual com o companheiro, também não pode ser negado, sob pena de ser decretada a culpa pela ruptura dos laços conjugais. Essa é uma das provas mais difíceis nas questões relacionadas ao Direito de Família.

Já a "traição" virtual em si seria causa para o decreto da separação por culpa do internauta? Sim, por um motivo óbvio: a traição virtual é uma injúria grave praticada contra o cônjuge inocente e torna insuportável a vida em comum da mesma forma que uma traição por telefone ou até mesmo física.

Neste caso, a prática do ato sexual não é fator fundamental para o requerimento da separação. Se fosse assim, não se poderia pretender a ruptura dos laços conjugais quando um dos cônjuges apenas flerta com outra pessoa ou "fica" com ela, o que seria um verdadeiro absurdo, pois é inegável que houve injúria grave.

A prova da traição pode ser adquirida por meio dos diálogos que permanecem no computador. Assim, é perfeitamente possível a busca da intervenção do Estado, a fim de ser decretada a separação do casal por culpa do cônjuge internauta.

* Especialista em Direito de Família e Sucessões, graduado em Direito pelas Faculdades Integradas Candido Mendes, professor de Direito da Faculdade Moraes Junior - Mackenzie Rio e do Centro Universitário da Cidade, além de autor de diversos artigos nas áreas de Direito de Família e Sucessões.

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