quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Oficial defende tortura contra corrupção


Governo do Rio exonerou tenente-coronel da PM que, em discurso sobre corrupção policial, disse ainda ter saudades da ditadura

RAPHAEL GOMIDE
DA SUCURSAL DO RIO
Folha de São Paulo

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2905200714.htm


O tenente-coronel Antonio Uostom Germano, comandante do Batalhão de Policiamento das Vias Especiais da Polícia Militar do Rio, defendeu a tortura como forma de punição à corrupção policial e disse ter saudades da "ditadura". O discurso foi feito aparentemente em uma reunião com oficiais sob seu comando.
Ontem à noite, Germano foi exonerado do cargo após reunião com o comandante-geral da corporação, coronel Ubiratan Ângelo. Foi transferido para as Unidades de Operações e ficará sem função até o fim do inquérito que vai apurar se houve desvio de conduta.
No discurso, que foi gravado e teve trechos publicados no jornal "O Dia", o tenente-coronel critica, em tom ameaçador, PMs que estariam cobrando propina para fazer "requerimentos" [autorizações para requisição de policiais para eventos públicos] no batalhão.
"Era excelente antigamente: Cê botava tomando choque a madrugada toda, precisava punir não, choque e porrada. Aaahhhh [simula grito de dor]! De manhã, ele estava enquadrado, entendeu? Com o orgulho até desencarnado. Infelizmente, é democracia, eu não posso fazer isso, tenho que seguir o rito legal. Vontade não me falta! Não me falta", disse, gritando, de modo teatral.
A oratória do oficial é firme, fluente e sempre em voz alta. Ele é o único a falar e em nenhum momento é contestado.
"Tortura! Pediu dez pratas pro polícia. Bota ele a noite inteira! Magnésio! Os mais novos não sabem nem o que é magnésio [eletrochoque]. Magnésio: segura uma ponta e uãaaaaa [simula grito de dor], treme que nem perereca!"
Germano se formou oficial em 1985, ano em que se encerrou o regime militar. No discurso, relativa seu desejo e diz seguir a lei. "Como tá na democracia, eu só posso punir. Minha vontade, se tá na ditadura militar, é botar tomando choque elétrico a noite inteira. Meu sonho é voltar essa ditadura, ahhhhh!"
Diz que, após a tortura, "nunca mais ele faz besteira". "Não posso fazer, tem que seguir os limites da lei e a gente vai cumprir os limites da lei."
Um colega de turma na Academia de Polícia Militar D. João 6º, que contou não ser amigo do tenente-coronel, descreveu-o como "linha-dura - "rígido", "rigoroso"-, mas "correto" [honesto].
Na opinião do oficial, a ênfase na oratória era "discurso dentro da tropa" e provavelmente tinha o objetivo de evitar irregularidades. Para ele, a gravação foi obra de alguém com "interesses contrariados".
Germano ironiza matérias que constam de formação de policiais. "Eu quero saber o seguinte: e a antropologia do B.O. [boletim de ocorrência]? E a sociologia do auto de resistência? E a psicologia da algema?!? Porra! Será que os inimigos não estão entendendo que esse ensino está furado?"
No batalhão, o oficial comanda o patrulhamento de vias de acesso ao centro, como as linhas Vermelha e Amarela e avenida Brasil, constantes alvos de assaltos e tiroteios.
O tenente-coronel foi antes comandante do Batalhão de Polícia Ferroviária, onde chegou a receber da tropa o apelido de "Locomotiva descendo a serra sem freio".
A Folha deixou recado no celular de Germano, mas não havia conseguido falar com ele até a conclusão desta edição.


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