domingo, 16 de agosto de 2009

GUERRA AO POBRE – A HISTÓRIA DE SANDRO, NEGRO, POBRE E FAVELADO


Observatório das Violências Policiais-SP


junho de 2008

Em editorial de 2 de maio de 2008 – "Guerra ao pobre" – o Correio da Cidadania lembrava que "na cultura dos bem de vida, o pobre é o seu inimigo interno. Inimigo é aquele que quer nos destruir e que, portanto, precisa ser destruído. Nega-se a humanidade do pobre, a fim de justificar moralmente a guerra que se trava contra ele nas favelas e periferias, seja no apoio às medidas que facultam às polícias agir com maior truculência, seja pela audiência enorme dos programas de televisão que enaltecem a violência policial e ridicularizam os que a ela se opõem."

A história de Sandro Wellington de Jesus, de 24 anos, e da defensora de direitos humanos Valdênia Paulino, sua testemunha de defesa, contada na narrativa abaixo em minúcias, mostra como se orquestram instituições do Poder Judiciário e do aparelho repressivo do Poder Executivo – a Polícia Militar – para reduzir todos os espaços de vida e do comezinho direito de defesa de um pobre.

Há muitos Sandros em São Paulo e no Brasil. Só que neste caso temos a oportunidade de acompanhar passo a passo de que maneira todas as chances de sobrevivência lhe foram retiradas, constituindo uma das mais brutais injustiças, permeada a toda uma série de humilhações a todo o seu grupo social, familiares e vizinhos, moradores da Favela do Jardim Elba, de Sapopemba, cidade de São Paulo. É que ele faz parte da classe dos "inimigos", os pobres.

Nesta história vemos um jovem de 20 anos, negro e favelado, que apenas estava atravessando uma viela para alcançar a avenida, na madrugada de 23 de outubro de 2004, e tomar o ônibus de uma excursão que faria, quando foi alvejado por uma bala perdida disparada por policiais militares que naquele momento matavam Paulo Maciel, um adolescente de 17 anos. Ou, como disse o promotor quatro anos depois, "mais um bandido morto". Sandro ferido fugiu para sua casa e, sabendo que se fosse pego ferido seria preso, agüentou a dor do ferimento até o dia amanhecer. Ao ser atendido no hospital foi preso pelos mesmos policiais da madrugada sob a acusação de traficante e homicida. Ficou preso por um mês mas conseguiu a liberdade provisória.

No entanto não soube e nem foi avisado de que seu processo corria e que estava sendo acusado de tentativa de homicídio contra os três policiais militares que atuaram na madrugada de 23 de outubro de 2004. Um dia, ao tentar tirar um documento no Poupatempo, foi preso.

No dia do seu julgamento, em 16 de janeiro de 2008, depois que toda a comunidade se mobilizou em solidariedade a ele e à sua mãe, depois que o CDHS (Centro de Direitos Humanos de Sapopemba) colaborou ativamente na consecução das provas que demonstravam que ele apenas passava por ali para pegar o ônibus de sua excursão, ele e todo o seu grupo social, os favelados do Jardim Elba, foram ridicularizados e injustiçados. Foi uma clara demonstração de que há, no Brasil, cidadãos de pleno direito e o "outro", a classe dos pobres, aquele inimigo invisível que mora lá do outro lado da cidade e que não tem direito algum.

Durante o julgamento, tanto a juíza como o promotor se permitiram frases ofensivas atingindo o adolescente morto, sua mãe (ausente por temer comparecer), toda a comunidade da favela do Jardim Elba presente, qualificada pela juíza de "esse tipo de gente" e as testemunhas de defesa, desqualificadas e humilhadas. Neste cenário hostil e com o clima criado pelas observações preconceituosas, os jurados condenaram Sandro, por quatro votos a três, a 24 anos de reclusão.

Mal sabia ela que a gana de destruição do inimigo invisível que é o pobre - essa "gentinha" - teria prosseguimento. O próprio promotor do caso abriu um processo indiciando Valdênia e a Sra. Olga Regina Erwitz da Silva (a mãe de Paulo Maciel, o adolescente executado em 2004 e que nem sequer compareceu ao julgamento) por "falsidade ideológica" (Inquérito Policial nº 485/08). E anexou como demonstrativo os próprios documentos do julgamento de Sandro.

Há, seguramente, muitos milhares de Sandros pelo Brasil afora. Mas é estarrecedor conhecer a narrativa detalhada que mostra que enquanto as forças policiais exercem a truculência, autoridades judiciais impedem o direito de defesa dos pobres e humilham a condição de pobreza, criminalizando-a como tal. No Brasil, os pobres são o "inimigo interno", as "classes perigosas" que é preciso exterminar. Mas elas teimam em lutar por justiça e semear esperança, onde só há injustiça e dor.


Nenhum comentário: