quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Relatório de uma luta que ainda não terminou

Por APRASC 08/01/2009 às 17:52

 

Página 4 do jornal da APRASC de Janeiro de 2009 - nº40.

 

Textos: Alexandre Brandão, Amauri Soares, Geraldo

Pereira Barbosa, Thiago Bianchin

Revisão: Alexandre Brandão, Amauri Soares, Elisandro

Lotin, Thiago Bianchin

Diagramação: Alexandre Brandão e Thiago Bianchin

 

Entre os dias 22 e 27 de dezembro de 2008, metade do território catarinense esteve sem as atividades normais de segurança. Essa verdade precisa ser dita, mesmo com certos riscos, pois os órgãos oficiais pretendem, por um lado, esconder essa verdade e, por outro, punir muitos daquelas e daqueles que realizaram tal façanha.

Cerca de quatro mil pessoas, entre esposas, praças e demais familiares, participaram ativamente das mobilizações. No entanto, mais de 90% dos praças simpatizava e colaborava com o movimento. Sabíamos tudo que acontecia em cada quartel, o que os oficiais diziam, os planos, as ameaças. Eram inúmeras as ligações telefônicas para que fôssemos fechar outros quartéis, a convite do próprio efetivo que lá trabalha, eram inúmeros os chamados para irmos em locais e horas marcadas baixar viaturas. Se tivéssemos mais quinhentas esposas, familiares e praças mobilizados em tempo integral, teríamos parado todos os quartéis do Estado, em 100% do território catarinense, de forma absoluta se quiséssemos. Naqueles dias, as esferas de comando não tinham a fidelidade sequer de um décimo de todo o efetivo. Embora jamais admitirão isso, eles também sabem dessa verdade.

 

Depois de três anos com os salários congelados, buscando todas as outras formas de negociar com o governo do Estado a implementação integral da Lei 254, que tem o o b j e t i v o de organizar os salários de todos os servidores de segurança pública, os praças da P o l í c i a Militar e do Corpo de Bombeiros perderam a paciência com tanta enrolação. O que potencializou uma vontade história e uma necessidade objetiva foi a criação, recente, do Movimento das Esposas e Familiares de Praças. Alheias e imunes aos regulamentos militares, mas sentindo no espírito e na dispensa do próprio lar o desprezo das autoridades com aqueles que dedicam a vida para defender a sociedade, as mulheres resolveram ir para a frente dos quartéis, tática iniciada já no dia 11 de dezembro.

 

O governo, pressionando os meios de comunicação, conseguiu omitir da maioria da população esse fato. Tivemos que levar tudo às últimas conseqüências para que fosse rompido o pacto de silêncio patrocinado pelo governo, às custas dos cofres públicos, evidentemente. Nosso movimento era pacífico, mas, ao paralisar metade dos batalhões do Estado, acabamos ao mesmo tempo às portas de várias e fortes reservas de armamento. Nessa situação, cada lapso de irracionalidade por parte das autoridades poderia provocar uma ou várias tragédias, e é preciso dizer que houveram muitas atitudes de provocação por parte de autoridades, a começar por declarações do próprio g o v e r n a dor, que nos chamou de criminosos e quis nos qualificar de guerrilheiros, um conceito absolutamente fora da realidade.

 

Nosso movimento era pacífico, e não pretendia prejudicar a população, tanto que definimos, e seguimos fielmente, manter em funcionamento pleno as viaturas de socorro, de combate a incêndio, o serviço mínimo de guarda dos presídios e penitenciárias e um pequeno grupo para atender emergências onde a vida humana estivesse em risco. Começamos o movimento para mantê-lo por24 horas, mas, em virtude da intransigência do governo, tivemos que prolongá-lo, pois esse era o sentimento das companheiras e companheiros mobilizadas (os). No dia 24 de dezembro, para evitar mais sacrifícios, nossos e da população, propomos uma mesa de negociação como o Comandante Geral da PM e com o secretário de Segurança. Eles vieram para uma reunião, mas sem o aval do governo.

 

Quando saíram para encaminhar assuntos de nosso interesse com outras autoridades do governo, foram desautorizados a voltar para a mesa de negociação. Esse acontecimento acirrou os ânimos, e nossa gente cresceu em dignidade e sentimento de unidade. Passamos o natal nas portas dos quartéis e, para muitos que lá estiveram, foi o melhor natal de suas vidas, pois passaram juntos, policiais, bombeiros e suas famílias, o que é muito raro para servidores de segurança, que sempre trabalham mais nos grandes feriados e dias de guarda. O sentimento de fraternidade, o espírito de comunhão foi elevado às alturas naquele momento, no local de trabalho.

 

O governo acionou a justiça, para nos multar, para dissolver a APRASC, para retirar do ar nossas páginas na Internet. Teve êxito em quase tudo que pediu para os juízes (novatos) de plantão, o que mostra que o Poder Judiciário, pelo menos na pessoa daqueles que fizeram plantão no feriado, não é tão independente assim. Mesmo depois de suspensa a tática de bloquear quartel, as sansões continuaram na mesma agressividade. Na noite do dia 25 para 26 de dezembro, à revelia do Comando Geral da PM, grupos de oficiais preparavam uma ofensiva militar sobre nosso movimento pacífico. A tática era atacar às 06:00h da manhã, porinformações fidedignas que temos. Mas parece que os oficiais queriam mandar apenas os praças ficando longe, o que mostra o quão irresponsáveis têm sido boa parte deles, e o quão despreparados estão para comandar efetivamente.

 

É estupidez de qualquer autoridade, imaginar que um efetivo militar, às portas das reservas de armamento, ia se deixar surrar, humilhar, algemar e prender sem lançar mãos às armas. Embora a decisão do Comando do Movimento fosse para não usar armas, é certo que elas seriam usadas no caso de um ataque a mando dos oficiais. A tentativa de ataque violento foi desmobilizada durante a madrugada, e ainda não descobrimos ao certo por quais mecanismos. No entanto, é preciso registrar para a história que mais de 80% dos efetivos que pretendiam usar estavam decididos a nem embarcar nas viaturas para ir a confronto. Isso também as autoridades nunca admitirão, pois se admitirem terão que pedir exoneração dos cargos que ocupam, e largar suas espadas.

 

No dia 27 de dezembro, pelo desgaste físico dos participantes do movimento, para evitar mais

desespero da população com a provável generalização de episódios de barbárie social, diante da intransigência do governo, o Comando do Movimento resolveu encaminhar a suspensão temporária daquela mobilização, propiciando o retorno à ?normalidade? das atividades de segurança pública em Santa Catarina. Fizemos isso por decisão livre e soberana do nosso movimento, mas sem perder o controle do movimento e sem desmobilizar os anseios e a capacidade de volta às ruas a qualquer momento.

 

O governo, se falar sério e deixar de usar subterfúgios oportunistas, não tem nenhum argumento que não possamos desmontar com números e dados. Não pagou a Lei 254 inteira ainda porque não quis, porque não foi sua prioridade, porque nos desprezou, porque para eles tudo são promessas de campanha, frases de efeito para ganhar voto e depois ficarem esquecidas. Por isso e por muitas outras razões, a razão esta do nosso lado, e todos que acompanham nosso movimento ao longo dos tempos sabem perfeitamente disso. A quase totalidade dos praças nos apóia porque sabe de tudo que já fizemos para garantir esse direito expresso em lei e em compromissos políticos reiterados tantas vezes.

 

Ao invés de honrar seus acordos, o governo optou por seguir a filosofia vã, distorcida e acéfala de certos setores do oficialato. Atacou a APRASC com todas as armas do autoritarismo mais arcaico, desrespeitando a própria Constituição Federal que Luiz Henrique, como deputado constituinte, ajudou a criar. Agora nossa pauta de reivindicação aumentou, pois estamos lutando pela Justiça Salarial, pelo Plano de Carreira, pela reformulação dos códigos e regulamentos militares, contra as punições, pelo direito da APRASC existir e lutar pela segurança pública, pela libertação das nossas páginas na Internet, seqüestradas a pedido do governo do Estado. Neste dia 7 de janeiro, voltamos às ruas, mobilizando a categoria, as esposas, os familiares, e todos os apoiadores possíveis. Estaremos em vigília permanente, pelo tempo que seja necessário, até que o governo apresente um cronograma de pagamento da Lei 254 e até que a sensatez volte a reinar dentro das nossas instituições.

 ABAIXO TODA FORMA DE AUTORITARISMO!

 HONRA E GLÓRIA AOS GUERREIROS E GUERREIRAS DE TANTAS JORNADAS!

 ===============================================================================================

Por determinação da Justiça, a pedido do governador Luiz Henrique da Silveira, o site da APRASC (www.aprasc.org.br) vai ficar fora do ar durante 90 dias.

Nenhum comentário: