quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

SENSIBILIDADE MORAL


Todos os brasileiros preocupados com a sensação de impunidade dos delitos cometidos pelos detentores do poder econômico, ou político — geralmente ambos, porque o dinheiro é um poder abrangente —, não conseguem entender parte da liminar concedida por digno ministro do Superior Tribunal de Justiça. Sua Excelência concedeu liminar suspendendo todas as medidas judiciais relativas à Operação Satiagraha, que resultou em processos por crime de sonegação fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro contra Daniel Dantas e executivos do Grupo Opportunity.

A liminar fundamenta-se na alegação, apresentada pelos advogados do réu Dantas, de que o juiz Fausto De Sanctis, de São Paulo, teria perdido a imparcialidade para continuar no caso. Teria articulado investigações com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, atuando mais como um acusador do que como um juiz sereno e imparcial.

Compreende-se, ou tolera-se, uma parte da liminar: aquela que determina o afastamento provisório do juiz — até que a decisão colegiada confirme ou não a liminar — quanto a atos judiciais futuros, da liminar pra frente. Se o STJ entender que, realmente, o juiz se transformou em nítido órgão acusador, tendencioso, rancoroso contra banqueiros em geral — ou em particular —, sem nenhuma preocupação em manter o equilíbrio formal esperável em qualquer demanda judicial, justificar-se-ia seu afastamento.

Pelo que seria certo, seu sucessor no encaminhamento dos processos manterá ou revogará aquelas providências que pareceram pertinentes ou impertinentes. Não teria sentido que o juiz sucessor anulasse tudo o que existe, em matéria de prova, seja no inquérito policial, seja na esfera judicial. Se todas as investigações recomeçarem do zero, poucos policiais e juízes se atreverão a investigar verdadeiramente a conduta do réu. Temerão represálias do próprio acusado e de seus poderosos aliados dentro do Estado. O jeito seria “maneirar”, fingir que investiga, conforme o cacife do acusado.

O que espanta e assusta aqueles brasileiros preocupados com a aparência de impunidade contra os delinquentes ricos está no fato de que a liminar em questão ordena o trancamento, até fevereiro próximo, não só de um inquérito, mas a suspensão de uma sentença de dez anos de reclusão, por tentativa de suborno de um policial, imposta contra Daniel Dantas.

Seria extremamente decepcionante para o mundo jurídico nacional se o STJ, em vez de simplesmente permitir o processamento normal da apelação do réu, ou réus, simplesmente “anulasse tudo” jogando pela janela um esforço de anos de trabalho da Polícia Federal e da Justiça Federal. Nos autos do processo estão todos os elementos favoráveis e desfavoráveis aos réus. Se houve, eventualmente, alguma ilegalidade do juiz na condução do processo, isso será perceptível nos autos. O tribunal de apelação tem todas as condições técnicas para verificar isso lendo os volumes do processo.

Pouco importa — ou pouco deveria importar — aos magistrados que analisarão o recurso, se o juiz sentenciante simpatizava ou antipatizava com o réu. A leitura será objetiva: os crimes ficaram, ou não provados? Se provados, manterão a condenação. Se não provados, absolverão o réu. Se houve exagero no montante da pena, a reduzirão. Se houve cerceamento de defesa, anularão aquela específica prova em que isso ocorreu, e assim por diante. Se há uma prova pericial contra o réu, por que anulá-la? Presume-se, por acaso, que o perito iria dar um laudo falso só porque o juiz, eventualmente não via o réu com simpatia? Não tem sentido, “data venia”, “anular tudo” só porque o juiz não gostava do réu. Com simpatia, ou sentimento oposto, o que vale é a prova objetiva produzida nos autos. Para isso eles servem. Analogicamente, olhando-se uma foto, qualquer foto, pouco importam os sentimentos pessoais de quem clicou no botão da máquina fotográfica.

Se o processo que resultou em condenação de primeira instância for anulado — apenas levando-se em conta os sentimentos do juiz —, estupradores de crianças, assassinos seriais, matadores de velhinhas indefesas e criminosos sádicos em geral pleitearão, até mesmo na instância máxima, que “tudo seja anulado” porque o crime deles foi tão repulsivo que qualquer ser humano normal, inclusive juízes, ficaria indignado, colhendo a prova do crime. E com a indignação, teriam perdido a serenidade, a imparcialidade, sendo necessário “anular tudo” desde o inquérito.

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